sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Sonho de uma flauta (8)




Nem toda palavra é
Aquilo que o dicionário diz
Nem todo pedaço de pedra
Se parece com tijolo ou com pedra de giz

Avião parece passarinho
Que não sabe bater asa
Passarinho voando longe
Parece borboleta que fugiu de casa

Borboleta parece flor
Que o vento tirou pra dançar
Flor parece a gente
Pois somos semente do que ainda virá

A gente parece formiga
Lá de cima do avião
O céu parece um chão de areia
Parece descanso pra minha oração

A nuvem parece fumaça
Tem gente que acha que ela é algodão
Algodão as vezes é doce
Mas as vezes é doce não

Sonho parece verdade
Quando a gente esquece de acordar
E o dia parece metade
Quando a gente acorda e esquece de levantar
Ah e o mundo é perfeito
Hum e o mundo é perfeito
E o mundo é perfeito

Eu não pareco meu pai
Nem pareco com meu irmão
Sei que toda mãe é santa
Mas a incerteza traz inspiração

Tem beijo que parece mordida
Tem mordida que parece carinho
Tem carinho que parece briga
Tem briga que aparece pra trazer sorriso

Tem sorriso que parece choro
Tem choro que é por alegria
Tem dia que parece noite
E a tristeza parece poesia

Tem motivo pra viver de novo
Tem o novo que quer ter motivo
Tem aquele que parece feio
Mas o coração nos diz que é o mais bonito

Descobrir o verdadeiro sentido das coisas
É querer saber demais
Querer saber demais

Sonho parece verdade
Quando a gente esquece de acordar
E o dia parece metade
Quando a gente acorda e esquece de levantar
Mas o sonho
Sonho parece verdade
Quando a gente esquece de acordar
E o dia parece metade
Quando a gente acorda e esquece de levantar
Ah e o mundo é perfeito
Mas o mundo é perfeito
O mundo é perfeito...


                                                                                                                             O teatro mágico

O primeiro beijo

Os dois mais murmuravam que conversavam: havia pouco iniciara-se o namoro e ambos andavam tontos, era o amor. Amor com o que vem junto: ciúme.
- Está bem, acredito que sou a sua primeira namorada, fico feliz com isso. Mas me diga a verdade, só a verdade: você nunca beijou uma mulher antes de me beijar? Ele foi simples:
- Sim, já beijei antes uma mulher.
- Quem era ela? perguntou com dor.
Ele tentou contar toscamente, não sabia como dizer.
O ônibus da excursão subia lentamente a serra. Ele, um dos garotos no meio da garotada em algazarra, deixava a brisa fresca bater-lhe no rosto e entrar-lhe pelos cabelos com dedos longos, finos e sem peso como os de uma mãe. Ficar às vezes quieto, sem quase pensar, e apenas sentir - era tão bom. A concentração no sentir era difícil no meio da balbúrdia dos companheiros.
E mesmo a sede começara: brincar com a turma, falar bem alto, mais alto que o barulho do motor, rir, gritar, pensar, sentir, puxa vida! como deixava a garganta seca.
E nem sombra de água. O jeito era juntar saliva, e foi o que fez. Depois de reunida na boca ardente engulia-a lentamente, outra vez e mais outra. Era morna, porém, a saliva, e não tirava a sede. Uma sede enorme maior do que ele próprio, que lhe tomava agora o corpo todo.
A brisa fina, antes tão boa, agora ao sol do meio dia tornara-se quente e árida e ao penetrar pelo nariz secava ainda mais a pouca saliva que pacientemente juntava.
E se fechasse as narinas e respirasse um pouco menos daquele vento de deserto? Tentou por instantes mas logo sufocava. O jeito era mesmo esperar, esperar. Talvez minutos apenas, enquanto sua sede era de anos.
Não sabia como e por que mas agora se sentia mais perto da água, pressentia-a mais próxima, e seus olhos saltavam para fora da janela procurando a estrada, penetrando entre os arbustos, espreitando, farejando.
O instinto animal dentro dele não errara: na curva inesperada da estrada, entre arbustos estava... o chafariz de onde brotava num filete a água sonhada. O ônibus parou, todos estavam com sede mas ele conseguiu ser o primeiro a chegar ao chafariz de pedra, antes de todos.
De olhos fechados entreabriu os lábios e colou-os ferozmente ao orifício de onde jorrava a água. O primeiro gole fresco desceu, escorrendo pelo peito até a barriga. Era a vida voltando, e com esta encharcou todo o seu interior arenoso até se saciar. Agora podia abrir os olhos.
Abriu-os e viu bem junto de sua cara dois olhos de estátua fitando-o e viu que era a estátua de uma mulher e que era da boca da mulher que saía a água. Lembrou-se de que realmente ao primeiro gole sentira nos lábios um contato gélido, mais frio do que a água.
E soube então que havia colado sua boca na boca da estátua da mulher de pedra. A vida havia jorrado dessa boca, de uma boca para outra.
Intuitivamente, confuso na sua inocência, sentia intrigado: mas não é de uma mulher que sai o líquido vivificador, o líquido germinador da vida... Olhou a estátua nua.
Ele a havia beijado.
Sofreu um tremor que não se via por fora e que se iniciou bem dentro dele e tomou-lhe o corpo todo estourando pelo rosto em brasa viva. Deu um passo para trás ou para frente, nem sabia mais o que fazia. Perturbado, atônito, percebeu que uma parte de seu corpo, sempre antes relaxada, estava agora com uma tensão agressiva, e isso nunca lhe tinha acontecido.
Estava de pé, docemente agressivo, sozinho no meio dos outros, de coração batendo fundo, espaçado, sentindo o mundo se transformar. A vida era inteiramente nova, era outra, descoberta com sobressalto. Perplexo, num equilíbrio frágil.
Até que, vinda da profundeza de seu ser, jorrou de uma fonte oculta nele a verdade. Que logo o encheu de susto e logo também de um orgulho antes jamais sentido: ele...
Ele se tornara homem.
 
                                                                                                                  Clarice Lispector
 

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Soneto:Medo


O medo para mim se resume em amar
Tenho medo da solidão,
Tenho medo de te contar e você dizer que não,
Tenho medo de você me rejeitar!

Tenho medo de te perder,
Mas acho que tenho medo mesmo de você não me aceitar,
Ou talvez medo da raiva que você pode ficar,
Ou até medo de perder tudo aquilo que construí ao te ter!

E se você não me amar?
E se você não me quiser?
E se você não me aceitar?

Talvez o SE queira me fazer te perder,
Talvez ele queira é me acostumar por você não me amar,
Ou talvez eu nunca vou poder te ter!

BY:Lilian